Lembranças de uma tarde de Outubro - Paulynne Alves

(...) um quarto em um canto qualquer da Catânia.


Sentada na janela, com os cabelos úmidos do esforço do prazer.
Nua, totalmente exposta a luz do sol e dos carros que lá embaixo passavam.
Os fleches de luz atravessavam seus cabelos loiros, presos por um coque.
Aqueles feito pelo próprio cabelo, que deixam à mostra, a nuca.
Adoro nucas, principalmente a sua.
Seu perfume incendiava o resto do quarto, como nossa paixão.

Ela gostava de sentar na janela após o sexo, sempre com o seu livro de poesias de um autor italiano na mão.
A cada frase que recitava, eu a via, em seus olhos de sonhadora e naquela boca entreaberta.
A mistura da imagem do pecado carnal, com um anjo nu, tocando sua harpa.
Uma boca que exalava o melhor dos gozos e que gradualmente soltava a fumaça de um cigarro barato como se fosse a coisa mais prazerosa da vida.
Depois de longas tragadas, me olhava e oferecia.
Ela sabia que eu não gostava, mas sempre me perguntava.
Após eu dizer com o olhar que não, ela se virava de costas e eu ficava ali, por um longo tempo, só admirando suas costas despidas.
A cicatriz de quando caiu de bicicleta aos 5 anos, cada pinta daquele corpo, daquela pele branca e macia.
Eu queria saltar da cama e pega-la entre meus braços e deflorar aquele corpo, mais uma vez.
Aquele corpo que era meu, que transformávamos em um só.
Mas eu não possuía forças pra mais nada.
Queria ficar na solidão, na quietude, em um remanso, apenas olhando...

Depois de um tempo, após terminar a leitura, ela voltava pra cama.
A cama desarrumada, com o cheiro do nosso sexo.
Nosso.
Deitava no meu peito e suspirava.
Como se estivéssemos em coma, por mais muitas horas, só ouvindo as batidas dos corações.
Sem falar nada, apenas sentindo.

Com o passar do tempo o silêncio se tornava tortura, e tocar sua pele era irresistível.
Beijei cada parte, cada pequena parte, tentando descobrir algo de novo.
E em meio a espasmos e gemidos eu descobri, descobri que em cada pequeno segundo daquele momento eterno, eu a amava cada vez mais.
E assim o ritual das tardes de Outubro continuavam.

Para sempre.


Lembra quando disse que tudo que eu escreveria a partir daquele dia, não teria indícios e resquício de nós?
Que eu não continuaria aquele texto por medo de te encontrar?

Impossível!
Terminei o texto.

Antes de acabar a primeira linha, te encontrei perto de uma vírgula tímida.
Consigo te enxergar em letras de palavras que no meio de frases feitas, com sentido ambíguo, escondem um lugar que, dentro de mim, sempre vai ser seu.
Sempre.

Não se livra de algo que é parte fixa de outra.
A outra sou eu. 
E você, a melhor parte de mim.
Do que restou de mim.

O nós, o nós sempre esteve vivo aqui.

Vivo igual aquele seu sorriso que eu amo.
Vivo igual ao que senti quando te conheci.

Me fez acreditar em algo maior do que eu poderia imaginar.
Depois daquele dia, aconteceu.
O real é você.

Pra sempre.

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